Tristeza de uma retirante
Clicia Pavan


É de fome, seca e tristeza seu moço,
meu destino de retirante.
Sai à procura de água,
era eu e Maria e as cabaças nas nossas cabeças.
A Maria, tadinha, fraquejou
e pra traz ficou...
Ficou eu moço e minhas duas cabaças procurando água

Ah! Moço, dá dó ver a terra seca,
rachada que nem meus pés.
Minhas cabras, tadinhas,
de fome se foram..

Moço, eu conheço cada palmo deste chão
aqui nasci,aqui me criei
Meu pai só queria um palmo de chão
para semear e os filhos criar.
Minha mãe, mulher rendeira e parideira,
de tanto olhar o sol, cega ficou.

Ah! Moço, a terra prometida,
fica a muitas léguas Daqui.
Moço, do outro lado da seca,
está a água que mata a minha sede
Sede que só o céu sabe ter eu vivido.
De tanto olhar o sol
a procura da chuva,o juízo perdi...

Sem lágrimas nos meus olhos,
como que tecendo renda.
Sigo minha maldição, a seca do meu sertão
A seca do meu coração,
o descaso...o abandono

Essa série, juntamente a outras posteriores,
como a Série Bíblica e a Série Retirantes,
complementaram uma geografia pictórica do Brasil
Candido Portinari, Retirantes, 1944.

"Na planície avermelhada os juazeiros alargavam duas manchas verdes.
Os infelizes tinham caminhado o dia inteiro,
estavam cansados e famintos.
Ordinariamente andavam pouco,mas como haviam repousado bastante
na areia do rio seco, a viagem progredira bem três léguas.
Fazia horas que procuravam uma sombra.
A folhagem dos juazeiros apareceu longe,
através dos galhos pelados da caatinga rala."
Graciliano Ramos - Vidas secas. 1938

Proibida a cópia sem autorização



Gráfico e Designer  Ana Amélia Donádio
Página editada em 28/10/2008.
Imagem:Candido Portinari, Retirantes